16 de abril de 2013

BR 262 - Rodovia da morte...




Hoje pela manhã foi encontrada mais uma jaguatirica (Leopardus pardalis) morta atropelada na BR 262, não muito longe da entrada da Fazenda San Francisco. É uma tristeza muito grande ver ou mesmo saber que um animal como esse foi morto ao tentar cruzar uma estrada, embora minha tristeza não seja menor quando vejo um teiú (Tupinambis sp.) ou um cardeal (Paroaria coronata). Ver nossa fauna tão preciosa perdendo a vida de maneira tão grosseira, sem que nada seja feito é mais do que triste, é revoltante. Algo precisa ser feito, mas o quê? Como resolver isso? A quem recorrer? Como mostrar que o impacto é grande?

 
Em 2011, meu filho Pedro então com seis anos, começou a ir à escola em Miranda (MS). Dividindo a tarefa de levá-lo e buscá-lo com a mãe dele, eu passei a ir a Miranda entre três e quatro dias por semana, percorrendo os 30 km que dividem a entrada da Fazenda San Francisco e a cidade. E com isso, aquela sensação ruim de ver um animal atropelado começou a virar uma constante, pois não se passava mais de dois dias sem eu ver nova vítima na estrada. O Pedro também já estava bastante incomodado com todas aquelas mortes: “Por que acontece isso?” “Por que as pessoas não diminuem a velocidade como você, pai?” “Como ninguém viu esse tamanduá?”. Resolvi então começar a registrar todas as minhas idas e vindas, e quando eu via algo, eu parava, fotografava, registrava em GPS o local, anotava a espécie, sexo (quando reconhecível) e a data do ocorrido.



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Em um ano monitorando 30 km da BR 262, entre a cidade de Miranda e a entrada da Fazenda San Francisco, eu registrei outras cinco jaguatiricas mortas, três gatos mouriscos (Puma yagouaroundi) e dois gatos palheiros (L. colocolo). A lista de vítimas, porém é muito maior: foram mais de 120 mamíferos atropelados. Infelizmente não pude contar aves, serpentes, teiús, jacarés e anfíbios, pois senão o Pedro não chegaria nunca à escola. Nessa lista macabra se encontram outras espécies ameaçadas de extinção como tamanduá bandeira (Myrmecophaga tridactyla – 12 mortes), lobo guará (Chrysocyon brachiurus – 2 mortes), anta (Tapirus terrestris – 3 mortes) e lontra (Lontra longicaudis – 2 mortes). Ainda não analisei realmente os dados que recolhi, mas penso que é uma lista bem conservadora, pois vem das minhas observações de animais mortos na beira da estrada que não contam os que são atropelados e morrem fora da estrada, ou espécies menores que muitas vezes são carregadas por animais carniceiros. Mas mesmo assim, foram 120 mamíferos de médio e grande porte em um ano, em apenas 30 km de BR 262! Imaginem quantos mais morrem por ano (por mês, por dia) nessa rodovia nos cerca de 450 km entre Campo Grande e Corumbá! Entre o final do ano passado e esse ano agora, eu acompanhei pelos jornais o atropelamento e morte de pelo menos três onças-pintadas (Panthera onca) entre Miranda e Corumbá.


Como mudar isso? Na prática, é necessário que os tomadores de decisão enxerguem que isso realmente é um problema e que pode afetar de alguma maneira o Estado. Pensando muito sobre o assunto, eu acho que a resposta está no turismo. A indústria do Turismo é forte e continua a crescer no MS. O que sustenta essa atividade são as belas paisagens e a rica fauna do Estado, encontrados principalmente no eixo Bonito-Pantanal. Agora eu pergunto: não é um tiro no pé que nossa linda fauna morra aos montes nas nossas estradas, e que uma enorme quantidade de visitantes veja isso diariamente? Eu imagino como o turismo poderia ser ainda mais forte se o Governo do Estado entendesse que deve proteger a fauna dessas perdas e pode mostrar ao público uma preocupação real em diminuí-las. O visitante do MS veria um Estado realmente preocupado com a conservação das suas riquezas naturais, tornando a atividade turística ainda mais forte e sustentável. Estradas bem sinalizadas, com informações sobre a fauna, passagens para os animais nos pontos de maior risco, e outras idéias podem ser totalmente absorvidas pela indústria do turismo. Fica aí uma sugestão a ser discutida.

Porém, espero que a discussão e um movimento para mudança comece logo, pois não sei até quando espécies como o tamanduá-bandeira irão suportar o genocídio que ocorre nas estradas...


Henrique Villas Boas Concone
Biólogo e Mestre em Ecologia e Conservação pela UFMS
Doutorando na Universidade de Trent (Canadá)
Pesquisador Associado do Instituto Pró-Carnívoros

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